Além da mídia social

Mídia digital: modismos e senso comum

redes sociais

Mídia social não é brinquedo

Quando comecei a dar meus primeiros passos na web de forma profissional, por volta de 2008, havia uma espécie de corrida do ouro digital: todos queriam ter seguidores, a qualquer custo, mesmo que não tivesse nada a dizer. Isso foi antes das “celebridades” — termo que mudou o contexto de “famoso” para “célebre” — invadirem o Twitter e as redes sociais. Caso você não se recorde ou desconheça, naquela época as comunidades do Orkut eram respeitadas.

Apenas os profissionais “mais influentes” da mídia digital tinham perfis com mais de mil seguidores. Grandes produtores de conteúdo mal chegavam a dez mil. A lógica para agências era muito rasa: quem é mais seguido é mais influente.

O problema é que surgiram sistemas e métodos para aumentar número de seguidores que não dependiam da autoridade de quem escrevia. Até hoje eles existem, por cerca de R$ 50,00, sem nenhum esforço, você consegue 5 mil seguidores.

O que começou em 2008, a valorização da webcelebridade, teve seu ápice por volta de 2010 e hoje já é “carne de vaca”. Contudo, naqueles anos, qualquer ação publicitária na internet cogitava utilizar “influenciadores” para levar tráfego às campanhas.

Havia conversão do acesso em resultados práticos? Pouco importava. O negócio, para os “gênios” da mídia social, era mostrar para o cliente que o dinheiro alocado — me recuso a chamar de investimento — na campanha estava gerando visualizações!

(Nesse ponto preciso fazer uma ressalva, não tenho nada de genial, sou apenas um profissional de marketing e comunicação que, assim como muitos, precisa entregar resultados no final da campanha. Nada mais, admito.)

Naquela época qualquer questionamento à super valorização do uso da mídia social era tido como herético. Redes sociais eram a febre da vez e ponto final, se você não concordasse era mal visto ou tido como chato.

O mesmo povo que não sabia que mídia social não tem variação no plural e bradava que ela seria o elemento de transformação imprescindível para qualquer empresa, quebrou a cara pouco tempo depois.

Muitos fabricaram números de acesso, inflaram com atrativos baseados em entretenimento, inventaram comentários, tudo para não fazer o cliente perceber que estava jogando dinheiro fora. Várias agências de mídia social fecharam de lá para cá, essa é a verdade. E ainda hoje, muitas só se sustentam empatando seu resultado financeiro ou explorando mão de obra.

O uso profissional de mídia social

O uso em massa de redes sociais por parte dos consumidores apavorou os empresários e muitos decidiram que suas empresas deveriam entrar no “brinquedo”. O problema é que poucos tem discernimento para um uso profissional e objetivo das plataformas.

Não sou contra o uso de mídia social, muito pelo contrário, sou um grande entusiasta, mas não dá para enganar o cliente. Qualquer plataforma social só tem uma finalidade: promover relacionamento.

Relacionamento pode gerar conversão? Pode, claro! Mas para isso tem que ser muito focado, com planejamento de longo prazo e investimento profissional. Via de regra, relacionamento é para construção de reputação.

Para um melhor uso das novas tecnologias é preciso ter muito foco e entender que redes sociais não são inovações do mundo moderno. O clube, o mercado, a escola, o condomínio também são plataformas de redes sociais, regidos por regras de conduta e convivência.

Para não errar, o melhor caminho é imaginar como seria a relação da marca, produto ou serviço, com seus consumidores, fora da internet e depois montar uma estratégia com as ferramentas que estão a disposição.

A tão amada página da prefeitura de Curitiba no Facebook

Como exemplo vou usar uma página social (dentro do Facebook) que está em evidência: a da Prefeitura de Curitiba. Do mesmo jeito que sofri retaliações quando preguei o uso objetivo da web nos anos anteriores, não nutro esperanças de não ser virtualmente apedrejado agora, estou ciente disso.

O senso comum acha o conteúdo publicado incrível, o que não é de se estranhar, dado que nenhuma página de governo faz um bom trabalho nesse campo, mas não é por causa disso que farei parte do coro. Um pepino sempre será um pepino, mesmo que todos os vegetais do mundo deixem de existir.

Vamos aos fatos: o conteúdo publicado pela página é muito bom, divertido, leve e descontraído. Nos últimos dias observei compartilhamentos de diversos profissionais elogiando a criatividade empregada pelos responsáveis do conteúdo.

Criatividade esta que permitiu até que a prefeitura tivesse um perfil no Tinder (aplicativo para relacionamento), flertasse com outras prefeituras, gerando ciúmes e um suposto casamento entre as partes. Realmente, muito criativo, não posso discordar. Confesso que, com a minha falta de genialidade, nunca teria pensado em colocar um cliente institucional meu no Tinder, muito menos um governo utilizando o dinheiro público.

A iniciativa arrancou risos, simpatia e interação inclusive de pessoas que não moram em Curitiba.

A partir desse ponto entrarei em um território muito complicado, o de criticar um trabalho, e, pior ainda, algo de Curitiba, não sendo curitibano.

Já passei por isso antes quando fiz duras críticas a blogueiros de lá que fabricavam acessos utilizando apenas técnicas focadas em mecanismos de busca, mas que não prezavam pelo conteúdo. O que valia era que os blogs tinham acesso e isso fazia de seus donos grandes “influenciadores”.

Com o tempo o Google passou a banir boa parte das técnicas por considerar que elas alcançavam tráfego induzindo o usuário ao erro. A farra acabou e muitos perderam seu grande volume de acessos, mas até hoje sou persona non grata em Curitiba.

Se muita gente gosta, qual o problema com o conteúdo da prefeitura de Curitiba?

Resumindo tudo o que escreverei a seguir: falta foco no cliente.

Basicamente o conteúdo não segue o princípio de relacionamento entre um prestador de serviço, no caso, uma instituição governamental, e seu consumidor, o munícipe.

Imagine a seguinte cena: você vai na prefeitura reclamar de um buraco na sua rua e encontra o servidor flertando com outro servidor no telefone. Qual seria sua reação?

Vamos mais adiante, seu bairro está com lixo pelas ruas e iluminação deficiente, você chega na prefeitura e o servidor te responde com gracinha.

Claro que você pode me dizer que é diferente. E eu te direi que não é.

Geralmente, ninguém vai na prefeitura para bater papo, se divertir, contar ou ouvir piadas. As pessoas vão por um motivo: para serem atendidas, no caso, bem atendidas.

O servidor precisa ser sisudo, sério o tempo todo? Não é esse o ponto. O servidor deve ser simpático, prestativo e atencioso. É o que esperamos dele.

A presença social de uma prefeitura deveria seguir o mesmo princípio, não se transformar num stand-up virtual, com muita popularidade e pouco eficaz para a finalidade da instituição.

O efeito Tiririca

Obviamente a prefeitura teria muito menos repercussão do que do jeito que está fazendo. Chamo isso de “efeito Tiririca”. Calma, eu explico.

Ninguém pode negar que o Tiririca é popular, afinal, arrebatou mais de um milhão de votos em São Paulo e deve repetir o feito novamente. É um fenômeno eleitoral! Mas é isso que queremos? Um deputado que chama atenção por fazer palhaçadas?

O senso comum e seus eleitores mostram que sim, contudo, continuo achando sua eleição uma aberração política, fruto de falta de consciência política por parte dos eleitores que não entendem bem o que estão fazendo.

Assim como o presidente do partido do Tiririca, que conseguirá eleger vários deputados para sua bancada mesmo sem voto, o responsável pela comunicação da prefeitura deve estar muito feliz, conseguiu fazer com que as pessoas nutrissem simpatia pelo canal, aprovando as brincadeiras, deixando comentários e compartilhando os conteúdos.

Reclamar todo mundo sabe, mas e aí? O que poderia ser feito?

Enquanto batem palma para o divertido, ninguém cobra um portal de transparência real da gestão; um aplicativo social para ranquear os problemas bairro à bairro e que ajudasse a gestão a identificar prioridades; uma plataforma digital para estimular o comércio e o turismo de Curitiba; um sistema que aproxime os vereadores de seus eleitores; enfim, algo que sirva para melhorar a vida do munícipe.

Vi, ontem mesmo, uma proposta da página para que as pessoas fossem doar sangue. Muito bom, mas muito aquém das possibilidades virtuais.

Usando a força do engajamento, poderiam ser organizados centros de coleta, voluntários para ajudar na divulgação porta a porta, sistema de geoprocessamento que estimulasse a “disputa” entre bairros (qual manda mais doadores) e até um cadastro de pessoas com interesse em doar regularmente e só não o fazem porque se esquecem.

Esse é o meu ponto. Enquanto a preocupação for apenas para gerar likes, comentários e compartilhamentos, não vejo sentido algum em tudo isso. Me desculpe se você discorda, mas não vou seguir com a maré.

Até mais!

Marcelo Vitorino

Marcelo Vitorino

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Professor na ESPM e consultor de comunicação e marketing digital, Marcelo Vitorino reúne experiência no marketing corporativo, eleitoral, institucional e político.

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