Além da mídia social

Gol, Huck, Sabrina e o sistema educacional brasileiro

Bastam algumas atualizações na sua timeline para você testar sua fé na humanidade.  Nas últimas semanas, Luciano Huck, Sabrina Sato me saltaram aos olhos, ambos, pelas manifestações que provocaram nas rede sociais.

Luciano Huck teve que se desculpar por comercializar uma camiseta infantil com a frase nos dizeres coloridos “Vem ni mim que tô facim”. As reações na rede foram de indignação e fortes críticas, afinal quem, com o mínimo de “bom senso”, fotografa uma criança com uma frase deste tipo, ao mesmo tempo em que o país é reconhecidamente o quarto lugar no ranking mundial de consumo de material de pedofilia?

Nas redes, Huck foi considerado o grande algoz. Não quero minimizar sua responsabilidade, já que é ele que aprova sua equipe, mas acredito que temos um problema maior. A grande responsável por acontecimentos como estes é o nosso sistema educacional brasileiro, isto é, a escola que eu, você e nossos filhos frequentam.

Camiseta da marca Huck: Vem, ni mim que tô facim

Produtos da falta de bom senso.

 

A saga continua…

 

Sabrina Sato aceitou protagonizar uma campanha que se utiliza da semântica “vazamento” e compara publicação de vídeos íntimos de mulheres com uma mancha de sangue menstrual na calça jeans. No carnaval deste ano, a Skol veiculou  a campanha “Esqueci o NÃO em casa”, em uma cidade como o Rio de Janeiro, em que uma mulher é estuprada a cada duas horas ou ainda, e ao mesmo tempo que o mundo acompanha o julgamento de um estupro coletivo na Índia. Na comemorada Semana da Mulher, a Fast Shop divulgou “desconto imperdível”, reforçando o estereótipo de dona-de-casa, dias depois de Patricia Arquette arrancar palmas na plateia do Oscar com seu discurso defendendo a igualdade salarial e de direitos para mulheres. Fato que me lembrou a postagem da Gol Linhas Aéreas sobre a competência da mulher para limpar janelas.

Todos os profissionais envolvidos nestas campanhas vieram de uma escola, da mesma escola, acreditem. Alguns pagaram cerca de 3 mil reais por mês durante oito ou doze anos de escolarização, outros acessaram o sistema público de ensino.  A maior parte deles não foi educada para viver no mundo real.

Somente mulheres limpam nossas janelas.

Segundo postagem da Gol, apenas mulheres limpam janelas

 

Para o que fomos educados?

 

A maioria de nós – eu e você inclusive – frequentamos uma escola em que nenhum outro desenvolvimento era importante, a não ser o curricular, isto é, as operações matemáticas; a morfologia e sintaxe da língua; a tabela periódica unidimensional; os acontecimentos históricos romantizados…

Uma aprendizagem preventiva baseada nas perguntas e respostas: “por que preciso aprender isso?”; “um dia você pode precisar”. Anos dispostos a um conhecimento fragmentado para que consigamos nos encaixar nas categorias objetivas e mensuráveis, de alunos nota 0 a 10.

Quando Edgar Morin refletiu sobre os sete saberes necessários à educação do futuro, relacionou-os justamente como os sete buracos negros da educação. No caso das propagandas citadas, estamos sendo consumidos pelo buraco negro da falta de “compreensão humana”. “Nunca se ensina sobre compreender uns aos outros”, diz Morin.

Fomos – e somos – educados para a competição e prêmio, dentro de casa inclusive – por isso, chamamos de sistema – precisamos ser os melhores nas piores categorias. Na teoria, os princípios de educação definem-se a partir de valores humanos profundos, como de comunidade, solidariedade, igualdade, liberdade, felicidade… Palavras aconchegantes e estruturantes de uma sociedade que não chegam nem perto  do sistema escolar que se constrói a partir do oposto: condicionamento, preconceito, competição, materialismo e violência emocional. Na prática, uma criança vestida “vem ni mim que tô facim” leva em consideração expectativa de venda ou o respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente?

Quando vejo uma comunicação, on line ou off line, tenho a certeza que, se conceitos como empatia e respeito ao próximo foram discutidos na escola, certamente não foram vividos ou sentidos.  Nada de se estranhar em um país que repete o modelo escolar na sua origem espartana, baseado na repetição, no sofrimento e no conformismo. Longe da concepção ateniense e formação humana livre e baseada em experiências diversas.

Deixar de repetir padrões, deixar de ser vítima

 

Os comportamentos mecânicos que aprendemos continuam sistematicamente presentes no cotidiano: fila quando bate o sinal; os pequenos na frente, os grandes atrás; o fundão não vai passar no Enem; falar o que pensa é falta de respeito; tem hora para ir ao banheiro; 45 minutos de aula e 30 alunos na sala; reuniões de 15 minutos são eficientes; 6 linhas de e-mail são eficazes; 5 gotas de Rivotril 3 vezes por dia.

Passados trinta anos, ainda é clara para mim a imagem de um colega de escola muito alto e com problemas de visão. Mesmo com seus pais impossibilitados de pagarem por um óculos, ele era obrigado a sentar em uma das últimas cadeiras para não “atrapalhar” os demais que passavam a aula copiando o texto da lousa. Ninguém da comunidade escolar questionou o fato. A criança? Repetiu o ano que estudou comigo, nunca mais o vi. Este é o modelo de solidariedade e empatia presente no sistema educacional – salvo raras exceções – repetindo-se muitas vezes nas redes sociais.

Ainda há humanidade nas redes sociais

 

Mesmo diante dos exemplos acima, acredito na existência de um salto de humanidade – antropologicamente falando – que  o  uso das redes sociais virtuais podem nos permitir. Acredito que existência de uma rede orgânica em que o bom senso, mesmo que em pequenas doses ou fortes posicionamentos, possa se manifestar livremente e lembrar, a cada um de nós, os pilares de manutenção de uma “sociedade”, é o que vem nos tornando humanos.  Humberto Maturana, neurobiólogo chileno, descreve que é com a comunicação que vamos construindo os critérios de qualidade do conviver: uma biologia do conhecer.

Para os que se prendem a dicotomias – para o bem ou para o mal –  nas redes sociais, convido-os ao exercício do pensar no coletivo, na qualidade e no impacto das nossas opiniões a longo prazo. Na escola em que fomos deixados pelos nossos pais e a que deixamos nosso filhos, questões como  sermos Humano são constantemente tratadas como pormenores e até mesmo invisibilidades. A maioria das instituições ainda mostra-se incapaz, por exemplo, de lidar com a entrada da tecnologia dentro de seus muros.

Provável que fomos vítimas, mas a partir do momento que nos omitimos de questionar os rumos de uma sociedade – mesmo que de apenas uma publicidade ou do rótulo de um esmalte – vamos nos tornando nossos piores algozes.

Maíra Moraes

Maíra Moraes

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Doutoranda em Comunicação e Sociedade na Universidade de Brasília (UnB), pesquisa as relações de poder implicadas no processo de produção de notícias e como as realidades são construídas por meio de narrativas e práticas dominantes. É gerente de projetos certificada PMP®, especializando-se na implementação de metodologias híbridas (presencial e a distância) de educação em redes públicas estaduais e municipais.

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