Que a audiência dos canais de televisão brasileiros anda mal das pernas, perdendo público ano após ano, não é nenhuma novidade. O caminho natural dos expectadores é a migração para a internet por razões facilmente explicáveis: mudança de hábito no consumo de conteúdo, aumento de referenciais de qualidade, disponibilização de produção de conteúdo segmentado e o barateamento dos custos envolvidos no acesso doméstico à web.
A imposição do conteúdo da televisão não combina com as novas gerações
Sempre me lembro de momentos da minha infância em que, antes de ir para a aula, às sete horas da manhã, era “obrigado” a assistir um desenho chamado “Gato Felix”. Naquele horário era o único desenho animado que passava e não havia qualquer outra opção disponível. Mesmo detestando o desenho, era aquilo ou nada. E, por “escolha”, lá eu ficava diante do desenho.
Hoje qualquer criança da mesma faixa etária que eu à época, cerca de cinco anos, consegue escolher o que quer assistir, na hora que quer assistir, em diversas plataformas (computadores, smartvs, tablets ou smartphones), bastando um simples acesso à internet. Boa parte dos programas matinais para crianças foram extintos por esse motivo. O público infanto-juvenil tem outra pegada.
Não há como o broadcast da televisão, engessado pela grade, formatado para forçar o espectador a assistir o que a rede deseja, competir com Netflix, Youtube ou outros serviços. É uma batalha perdida.
O resultado dessa mudança de cultura de consumo fez com que o broadcast perdesse o brilho ante ao “on demand”, e essa condição não se limita às crianças, mas proporciona situações antes inimagináveis, como ver Silvio Santos, dono de um canal de comunicação no formato broadcast, fazer propaganda gratuita do Netflix em um de seus programas em rede aberta, e ainda pedir desconto na sua assinatura.
A MTV brasileira também pode ser considerada um exemplo. Sou da geração que assistia à MTV para saber quais os clipes e as músicas que estavam em evidência. Isso foi pré-internet banda larga. Os espectadores tinham que ficar esperando para poder ver o clip que gostavam e com isso a audiência se sustentava.
Agora, se alguém quiser ver algo, basta ir ao Youtube. O fenômeno é tão grande que seu conteúdo serve como base para programas de televisão. O rapper coreano PSY que o diga. Um de seus vídeos, o clipe da música “Gangnam Style, atingiu a marca de 2 bilhões de espectadores no mundo, algo completamente fora de proporção quando comparado aos meios de comunicação tradicionais.
Anunciantes cobram mudanças ou investem em outros meios para impactar o público
Grandes anunciantes também perceberam que os números de impactos de suas propagandas na televisão já não são mais os mesmos, se os resultados caíram quando surgiu o controle remoto, agora despencam .
Qual a saída para os meios tradicionais? Darwin responde: adaptação. Terão que rever o seu modelo de negócio, desde a produção, a disponibilização e a comercialização. Há 30 anos não fazia sentido algum pagar para assistir um conteúdo. Os canais pagos e os serviços de transmissão sob demanda estão aí para contrapor isso.
O público passou a ser mais exigente depois que teve acesso a uma grande oferta de conteúdo e uma vasta quantidade de referenciais de qualidade. Faça um exercício e tente se lembrar de 10 bons programas dos maiores canais abertos brasileiros e verá que a produção não anda lá àquelas coisas.
Junte tudo isso à queda dos custos envolvidos para o acesso doméstico à web — eletrônicos e pacotes de banda larga — e perceberá que a audiência da televisão que conhecemos não voltará a ser o que foi, com programas como Jornal nacional marcando 40 pontos no Ibope. Hoje, chega a 25 pontos.
A queda da audiência dos meios tradicionais não se resume apenas na adoção dos espectadores pela tecnologia, que provocou mudanças de hábitos, não sendo modismo temporal ou etário. A queda é o reflexo da inércia dos canais tradicionais diante do comportamento atual do público.
Provavelmente diretores das gigantes da comunicação brasileiras já perceberam que o público não é uma massa qualificada em dados do IBGE, sem acesso a outras opções de conteúdo, com expectativas enquadradas em caixinhas comportamentais e que aceitam o que os canais acham bom para eles. O que lhes falta é coragem para mover seus monstros para outra direção ou, ainda mais, botar tudo no chão e recomeçar.
Estamos em outra realidade e quanto mais tempo passar para criar soluções midiáticas para este novo o expectador, pior será para a televisão.
Até mais.