Está no nosso dia a dia. Manifestações, greves e denúncias não apenas no Brasil mas, globalmente paradigmas, crenças e valores sociais têm sido constantemente colocados em descrédito.
Por todo esse movimento, cada vez menos confiamos nas instituições que fazem parte do nosso cotidiano. Este panorama foi divulgado pelo Edelman TRUST BAROMETER, uma pesquisa realizada anualmente para medir o nível de confiança da população em 28 país, incluindo o Brasil.
Segundo o relatório, a confiança da população em geral em todas as quatro principais instituições pesquisadas – empresas, governos, ONGs e mídia – diminuiu amplamente, um fenômeno não identificado desde que a Edelman começou a acompanhar a variável nestes quatro segmentos, em 2012.
Com a queda da confiança, a maioria dos entrevistados agora não tem plena convicção de que o sistema global está trabalhando para eles. Nesse clima, as preocupações sociais e econômicas das pessoas, incluindo a globalização, o ritmo da inovação e a erosão dos valores sociais, transformam-se em medos, estimulando o surgimento de ações populistas que estão se desenvolvendo em várias democracias de estilo ocidental.
Fazendo uma retrospectiva dos cenários identificados nos últimos 15 anos pelo Trust Barometer, é possível identificar transformações no que se refere à mídia.
2001 | Crescimento da influência de ONGs |
2002 | Queda do CEO como celebridade |
2003 | Mídia ganha mais credibilidade do que a publicidade |
2004 | Queda de confiança nas empresas dos EUA e Europa |
2005 | A confiança muda das “autoridades” para os pares |
2006 | “Uma pessoa como eu” emerge como um porta-voz de confiança |
2007 | Empresas são mais confiáveis do que o Governo e a Mídia |
2008 | Jovens influenciadores têm mais confiança nas empresas |
2009 | Empresas devem ser parceiros do Governo para que recuperem confiança |
2010 | A confiança agora é uma parte essencial para o negócio |
2011 | Crescimento da figura de autoridade |
2012 | Queda do governo |
2013 | Crise de liderança |
2014 | Empresas lideram o debate para mudanças |
2015 | Confiança é essencial para inovação |
2016 | Mais desigualdade nos níveis de confiança |
2017 | Confiança em crise |
Em 2003, o sentimento identificado era de uma mídia com credibilidade, sobrepondo-se ao discurso publicitário que dominou as relações de mercado até a década de 1990, principalmente como uso da televisão. Se, em 2003 o discurso publicitário começa a perder forças para as agências de notícias e outras fontes, de lá pra cá, cada vez mais, a comunicação de conglomerados tem perdido posições, emergindo a narrativa e o papel comunicacional de confiança dos pares (2005), do indivíduo (2006), de empresas de outros setores (2007) e de jovens influenciadores (2008).
Não por acaso, cronologicamente, esse conjunto de percepções anda junto com a influência da internet nas nossas vidas.
Mídia social e mídia tradicional: confiança em declínio
O gráfico abaixo mostra o percentual de confiança em cada fonte para notícias e informações gerais.
Não apenas no Brasil, a chamada mídia tradicional está em crise. Pensamentos brasileiros como “a Veja mente” e “o povo não é bobo, abaixo à Rede Globo” encontram-se refletidos em uma queda de 5 pontos percentuais nos últimos cinco anos, em todos os países pesquisados.
Seguindo o descrédito, encontra-se a chamada mídia social, canais de relacionamento na internet nos quais existem diferentes possibilidades de interação e participação entre os usuários. A preocupação com a falta de credibilidade tem movimentando as gigantes do setor em campanhas contra notícias falsas compartilhadas nas redes, já que contar com o filtro dos usuários já não é uma estratégia.
Em que mídia estamos confiando?
Contrapondo a tendência de queda de confiança, o barômetro identifica três segmentos que ampliaram seu índice de credibilidade:
- mídia exclusivamente on-line (+5)
- mecanismos de busca (+3)
- mídias próprias (+2)
Mídias exclusivamente on-line
Em minha análise, no que se refere à mídia exclusivamente on-line, sua credibilidade encontra-se principalmente na crença por parte dos leitores, do canal não estar vinculado a conglomerados que, direta ou indiretamente, ditam a pauta e o posicionamento das notícias.
Cada vez mais a chamada “imparcialidade” está sendo questionada pelos leitores e telespectadores. Canais como The Intercept, Public Intelligence e Wikileaks têm ampliado sua audiência como canais de notícias exclusivamente on-line. Incluo aqui também canais como Mídia Ninja, não pela sua imparcialidade na narrativa dos fatos, mas justamente pela transparência de sua parcialidade, ao definirem-se como “uma rede descentralizada de mídia de esquerda com abordagem conhecida pelo ativismo sociopolítico, declarando-se ser uma alternativa à imprensa tradicional“.
Mecanismos de busca
Os mecanismos de busca são presenças inquestionáveis na nossa vida conectada. São programas desenhados para procurar palavras-chave em documentos, sites, portais. Para muitos, o sinônimo de buscador é Google.
O paradoxo é que buscadores como o Google não produzem notícias ou opiniões, e quando trazem resultados de busca, podem ser tudo, menos imparciais. O aumento de confiança em buscadores para mim, sinaliza o desconhecimento por parte dos usuários sobre o funcionamento e tais ferramentas, sobre a lógica de ranqueamento de resultados orgânicos e patrocinados.
Mídias próprias
“Se a ‘grande mídia’ não publica minha opinião, por que não posso ter um canal próprio?”. Essa pergunta movimentou boa parte dos produtores de conteúdo independente e a lista não para de crescer.
Blogs, sites, Youtube, Snapchat, Instagram Stories são fontes de informação cada vez mais “confiáveis” segundo os pesquisados, independente da qualidade da produção ou da apuração dos fatos.
E aqui fica um indicador para ficarmos de olho: as mídias próprias hoje, segundo os entrevistados, têm o mesmo nível de confiabilidade que o conceito de mídia como uma instituição. Se a primeira vem tem seu nível de confiança crescendo, não podemos dizer o mesmo da segunda.
Muitas mudanças ainda estão por vir.